sábado, 11 de abril de 2009

Aprendendo a gostar de Ler -Raquel Villardi


Por uma nova metodologia da leitura
-- ensinando a gostar de ler --
Raquel Villardi


Esse artigo foi retirado da obra da autora
«Aprendendo a gostar de ler e formando leitores para a vida inteira»
Rio de Janeiro, Dunya, 1997.

1- Princípios Norteadores
Partimos da pressuposição de que a leitura do texto literário, sob a perspectiva da descoberta do prazer, é um processo, e que, portanto, não se chega lá em alguns minutos. É necessário dar tempo ao tempo, possibilitar que as descobertas se vão fazendo na medida em que a leitura se aprofunde, numa aproximação paulatina que constitui, verdadeiramente, a construção do texto pelo leitor. Para que se consiga isto, defendemos a idéia de que cada livro deva ser trabalhado sob a forma de um projeto, onde, por intermédio das várias atividades, esses objetivos possam ser alcançados, paulatinamente.
METODOLOGIA TRADICIONAL NOVA METODOLOGIA
CERTO POSSÍVEL
ÓBVIO DESCOBERTA
ÁRIDO LÚDICO

Acima esquematizamos as diferenças entre a nossa proposta e a metodologia tradicionalmente utilizada na escola, em relação à leitura, expressando os três princípios sobre os quais a primeira se fundamenta:

1. Ao invés de exigir do aluno que chegue a respostas corretas, o material didático oferecido ao aluno deve possibilitar que ele chegue a respostas possíveis, sempre, é claro, compatíveis com o que o texto diz. A perspectiva é que o aluno seja capaz de construir a sua leitura, e não apenas de corroborar uma leitura do professor, porque a leitura do aluno é a manisfestação da sua leitura de mundo, da sua leitura de vida, necessariamente diferente de um para outro. Portanto, a tarefa do professor deve ser levar o aluno a fornecer respostas pertinentes , e não qualquer resposta aleatória, mas não, necessariamente, respostas convergentes.

2. A perspectiva estruturante do trabalho -- que na metodologia tradicional é a cópia do que se expõe na superficialidade do texto -- deve ser a descoberta das várias verdades ali subjacentes. Por este princípio, não cabe ao professor mostrar o que está no texto, mas dar ao aluno os elementos necessários à construção de uma leitura tão profunda quanto permitir sua capacidade de análise e sua visão de mundo. Assim, não devem ser propostas atividades que dependam da pura observação, nem que demandem respostas mecânicas. A proposição do professor deve procurar investir sempre naquilo que não está óbvio.

3. Como a leitura é uma atividade profundamente árida e estratificada na sala de aula, e como o aluno habituou-se a vê-la dessa forma, é necessário que os projetos demonstrem, de modo concreto, que o aluno encontra-se diante de uma nova perspectiva de leitura, e que tudo será realizado de modo a que ele possa ter prazer naquilo que faz. Por este motivo, as atividades propostas no âmbito do projeto devem ter uma preocupação com o lúdico, diferenciando-se daquilo que, de modo geral, se faz na escola. É absolutamente imprescindível que o aluno visualize que está diante de algo especial.

Por este motivo, deve-se procurar evitar o padrão pergunta / resposta do questionário, oferecendo jogos e brincadeiras por meio dos quais o aluno contrua uma leitura própria, em colaboração com o restante da turma. A apresentação do trabalho sob uma perspectiva lúdica, no entanto, é fator necessário, mas não suficiente, para que as atividades ganhem um fôlego novo. É preciso não esquecer que de nada adianta escapar da formatação tradicional, se continuarmos a elaborar perguntas e a "cobrar" respostas tradicionais.

2- Estrutura
A maneira como as atividades se articulam dentro de cada projeto deve permitir que se atinja o objetivo proposto. Para tanto, os projetos devem estar estruturados em três etapas: "atividades preliminares", "atividades com o texto" e "atividades complementares", cada uma delas com objetivos específicos definidos, de modo a levar o aluno a uma leitura global e múltipla, descobrindo o prazer de ler.

Etapas da estrutura dos projetos, com seus respectivos objetivos.

ETAPAS/ OBJETIVOS
1 Atividades preliminares
• Incentivar, pela curiosidade
• Fornecer informações
• Demonstrar o caráter lúdico do trabalho

Atividades com o texto (Roteiro de Leitura)
• Oferecer oportunidades para que o aluno modele sua própria leitura
• Trabalhar a compreensão em níveis tão profundos quanto possível:
* Utilização do método indutivo
* Exploração intensiva e extensiva do texto
* Abordagem analítico-sintética

3 Atividades complementares
• Favorecer relações interdisciplinares
• Trazer a problemática do texto para a realidade do aluno
• Desenvolver a criatividade

As atividades preliminares
São aquelas que devem preparar o aluno para a leitura. Ao longo do tempo, a leitura se transformou em algo tão massacrante para o aluno, que qualquer modificação nesse quadro deverá ser obra de sedução. Assim, defendemos, com veemência, a idéia de que a leitura não pode se abater sobre o aluno, sem que ele esteja suficientemente predisposto e preparado para realizá-la, visualizando-a algo que realmente possa acrescentar-lhe experiências e dar-lhe prazer.Depreende-se daí a necessidade de que sejam realizadas atividades antes mesmo que o livro chegue às mãos do aluno, e tais atividades devem atender, basicamente, a três objetivos:
Incentivar, pela curiosidade
Isto significa que o professor deve proceder de modo a despertar no aluno o desejo de ler aquele livro. Para isso, podem ser utilizados recursos semelhantes aos da propaganda (como cartazes, com algumas indicações acerca dos personagens ou do enredo, nos moldes dos anúncios de filmes ou de novelas de TV, por exemplo), discussões sobre o tema, notícias de jornais, de modo a criar polêmicas e mobilizar a turma, gerando no aluno uma curiosidade tal que o leve a dizer para si mesmo: "Eu quero ler este livro".
Fornecer informações
Muitas vezes, para que a compreensão de um texto ocorra de modo globalizado, é necessário que o aluno disponha de informações maiores, de caráter científico ou histórico, ou ainda sobre outros textos; enfim, informações que podem não fazer parte de seus conhecimentos e que, por isso, impediriam o leitor de enxergar, com maior riqueza e acuidade, aquilo que o texto diz.
Essa necessidade se verifica em inúmeros textos, e aqui nos remetemos, a título de exemplificação, ao Davi ataca outra vez, de Ruth Rocha, narrativa que traz para os nossos dias a história bíblica do confronto do jovem Davi com o gigante Golias. Se o aluno desconhece a narrativa original, fará toda a leitura do livro e será capaz de compreendê-lo sem problemas, mas a ele escapará a idéia de que, desde que o mundo é mundo, pessoas corajosas se dispuseram a enfrentar seres muito mais poderosos que elas e conseguiram obter sucesso. Esse sentido reforça a idéia de que não temos que nos curvar diante das injustiças, ampliando o significado original do texto, conferindo-lhe um caráter de universalidade que escapa a quem não pode -- porque não dispõe dos elementos necessários -- fazer as associações que o texto suscita.
A grande questão é que esse tipo de informação é fornecida, na metodologia tradicional, depois da leitura, momento em que o professor pára e mostra ao aluno o que ele não viu. Neste momento, desaparece todo o prazer que o aluno teria ao descobrir, ele mesmo, essas ligações; e sua leitura continuará sendo sempre inferior à do professor.
Demonstrar o caráter lúdico do trabalho
A prática pedagógica que envolve a leitura, como já demonstramos, afasta o aluno dos livros -- o que não significa que o aluno se afaste deles por si só, nem que tenha uma "prevenção" natural contra eles: é aquilo que se cobra do aluno a respeito da leitura que o afasta dos livros. Portanto, para que se reverta esse quadro, é imprescindível que se possa criar uma atitude positiva do aluno frente ao trabalho que a ele será apresentado. Sendo assim, as atividades que antecedem o trabalho com o texto propriamente dito devem ser o mais lúdicas possível. Atividades que envolvam toda a turma, jogos, música, brincadeiras, atividades livres, passeios e visitas costumam causar um bom impacto.
Estes momentos precisam revelar ao aluno um compromisso com aquela verdade que a escola, aparentemente, teima em esquecer; a verdade suprema de que criança gosta, mesmo, é de brincar. E que a leitura pode se transformar numa linda, numa deliciosa brincadeira.


As atividades com o texto: a elaboração do roteiro de leitura
De toda a metodologia desenvolvida, esta etapa, sem dúvida, é a mais dificilmente internalizada pelo professor. A análise empreendida no capítulo 2 nos permite afirmar que o professor trabalha a partir do texto, e não o texto.
O professor -- mais marcadamente ainda o do primeiro segmento do ensino fundamental -- se esforça: encontra uma música sobre o mesmo tema, dramatiza a história, aproveita o conteúdo da leitura para dar suporte ao trabalho de Estudos Sociais ou de Ciências, monta um mural com desenhos das partes mais interessantes da história, em suma, enriquece o trabalho.
Mas volto, ainda, à mesma pergunta: "Isso é trabalhar o texto?" Toda essa prática é semelhante à tentativa de se dar uma aula de música levando os alunos para assistirem a uma exposição de fotos sobre um baile. Porque a matéria de que a música é feita são os sons, da mesma forma que a matéria de que é feita a Literatura é a linguagem. Não há como empreender um trabalho com música que abdique da presença dos sons, ainda que as fotos mostrem seus efeitos; como não há como empreender um trabalho de literatura que abdique da linguagem, ainda que assentado sobre seus efeitos.
Assim, trabalhar o texto não é buscar o significado daquilo que se diz, mas os significados que surgem da maneira como se diz aquilo, já que pressupõe que o foco se dirija à matéria de que é feito o texto, ou seja, à linguagem nele utilizada. Quando um grupo de crianças, por exemplo, dramatiza uma história após sua leitura, reduplica-se aquele sentido primeiro, mais superficial, do texto; a preocupação se dirige exclusivamente ao enredo, ou seja, à história em si, e não à maneira como a história é contada. Todas as outras leituras possíveis, toda a riqueza que se pode encontrar por detrás do texto, tudo isso permanece obscuro, não vem à cena, não pode ser transformado em palavra ou gesto. As atividades com o texto devem, portanto, basear-se no texto enquanto tal; por isso não podem restringir-se a comentários orais, nem à reconstituição do enredo, independentemente da maneira como esta reconstituição seja feita.
As atividades com o texto devem ser organizadas num Roteiro de Leitura -- que em nada se aproxima dos questionários de interpretação ou das tradicionais fichas de leitura -- capaz de levar o aluno a compreender o texto em toda a sua extensão, a refletir sobre cada elemento que compõe sua estrutura, a perceber a importância dos pormenores, até, finalmente, posicionar-se criticamente frente ao que foi lido. Tudo isto pode ser sintetizado nos dois objetivos que fundamentam a elaboração do Roteiro de Leitura:
• Oferecer oportunidades para que o aluno modele sua própria leitura
Modelar a leitura de um texto é um processo complexo, que compreende algumas fases: inicialmente, é necessário compreender o texto, em toda a sua extensão e o mais profundamente possível; a seguir, devem ser levantadas as diferentes hipóteses de significação, até que, finalmente o leitor elege uma delas, capaz de satisfazê-lo plenamente. Muitas vezes, estas fases são concomitantes, ou seja, à proporção que a leitura mais profunda vai acontecendo, o leitor vai levantando hipóteses e descartando-as, fixando-se, ao final, em uma (ou, às vezes, em mais de uma). Quando se chega a isso, procedeu-se a uma leitura "definitiva", ao menos até aquele momento. Só é possível ao aluno modelar sua própria leitura a partir do momento em que o texto pode ser visto por ele em toda a sua dimensão. Em relação a este aspecto
da obra, "modelar a própria leitura" significa optar por uma ou várias dessas possibilidades, ou, simplesmente, optar por não optar, se vier a concluir que isto em nada afeta o sentido maior da narrativa.
Mas para chegar a esse ponto, é necessário que o aluno disponha de um
material concreto, escrito, sobre o qual possa refletir e a partir do qual se criem
oportunidades para a observação atenta e minuciosa das inúmeras possibilidades
de leitura disponíveis no âmbito do próprio texto.

• Trabalhar a compreensão em níveis tão profundos quanto possível
Este objetivo é decorrência natural do anterior, pois que a compreensão em profundidade, ponto inicial do processo descrito no item anterior, pressupõe o levantamento de uma infinidade de hipóteses. Desta forma, propomos que, para atingi-lo, o roteiro de leitura elaborado pelo professor esteja assentado nos seguintes pontos:
* Utilização do método indutivo
O material deve levar o aluno a perceber as diferentes hipóteses de significação,
sem, contudo, oferecer-lhe respostas prontas. Portanto, sua função deve ser
conduzir a observação do aluno para aqueles pontos que, na nossa
percepção, poderiam deixar de ser notados por ele.
Isto determinará que, muitas vezes, as atividades elaboradas poderão se tornar
um pouco mais longas, em função da necessidade de subdividir cada atividade
em partes, por meio das quais o aluno seja capaz de ir articulando os diferentes
elementos, chegando a conclusões parciais, até que, por fim, se possa chegar a
uma conclusão maior, que sintetize todo aquele percurso, conforme
preconizamos no próximo item.


* Exploração intensiva e extensiva do texto
A compreensão efetiva do texto se faz por meio da compreensão de suas
diferentes partes e das relações existentes entre elas. Assim, propomos que todo
o texto seja mapeado em profundidade, de modo a levar o aluno a refletir sobre
as diferentes hipóteses de leitura. Para essa análise, entretanto, não interessam
apenas as "idéias principais" do texto; ao contrário, interessam os pormenores,
aquelas passagens, aquelas expressões que nos causam certo mal-estar, porque
não depreendemos exatamente o que estão fazendo ali. É nelas que estará a
chave que nos permitirá desvendar os diferentes significados do texto. E sobre
eles deve recair a atenção do professor na elaboração do roteiro de leitura.
Enquanto houver uma só passagem ainda obscura, haverá, certamente, uma
hipótese de significação ainda não considerada.
No estudo do texto, não se deve desprezar qualquer elemento, pois que tudo
nele tem uma função; e que só a leitura atenta e intensa, que ultrapasse a
facilidade do enredo, é capaz de nos remeter às diferentes possibilidades de
significação.
Assim, na leitura de um texto, não é preciso que toda a turma conclua a mesma
coisa. O que se espera é que o Professor se proponha a ouvir e respeitar a
leitura de seus alunos, tendo o cuidado, apenas, de demonstrar as leituras que
não apresentam respaldo no texto.
o abordagem analítico-sintética
A exploração a que nos referimos no item anterior, para que ocorra de forma
eficaz, deve se dar a partir da análise do texto, passo a passo, obedecendo-se
não à ordenação dos acontecimentos, mas à sua apresentação no texto. Sempre
que necessário, é desejável que a estrutura do texto também seja alvo dessa
análise. Mas o conhecimento das partes não encerra, por si só, o conhecimento
do todo. Portanto, após a análise, é necessário que o roteiro de leitura seja
capaz de "amarrar" essas partes, levando o aluno a elaborar um sentido geral
para o texto. O trabalho de síntese, que deve fechar o material, não pode, no
entanto, "fechar" as possibilidades de significação do texto. É fundamental, por
isso, que todo o material seja elaborado com o cuidado de deixar em aberto
espaços capazes de acolher as leituras divergentes. Por mais experiente que seja
o professor, não é possível prever todas as hipóteses, e é bom que o aluno
perceba que há um espaço reservado à sua leitura, caso seja diferentes da
nossa.


Para a elaboração de um roteiro de leitura seguro, algumas observações
específicas podem, ainda, ser úteis:
A apresentação do material. Tudo o que estiver ligado ao projeto de leitura
precisa ser, como o livro, agradável aos olhos e à mente. Assim, o material que
chegar às mãos do aluno deve ser muito bem cuidado, de modo a fazê-lo ver que se
trata de algo especial, feito especialmente para ele, porque ele é especial.
O caráter lúdico. Todos nós sabemos que não é possível brincar o tempo inteiro,
muito menos quando se quer desenvolver algo sério. Portanto, há momentos, dentro
do roteiro de leitura, em que a maneira como as questões serão apresentadas
certamente não poderão fugir ao que se pretende, e nesses momentos o aluno terá,
também, questões apresentadas de uma forma mais tradicional. Mas, sempre que
possível, deve-se optar por formas alternativas de elaborar as questões, utilizando,
para isso, de recursos típicos de atividades "recreativas" (como jogos de todas as
espécies, palavras-cruzadas, caça-palavras, recorte-colagem, entre outros já
existentes ou criados pelo próprio professor). O imprescindível é que o material
elaborado não tenha cara de questionário, e, se houver necessidade imperiosa de
lançar mão de formas tradicionais de apresentação de questões, que estas venham
intercaladas com atividades mais lúdicas, de forma a não descaracterizar este
fundamento do trabalho. Claro está que quanto mais alta a faixa etária a que se
destina o material, menos lúdico ele tende a ser, em termos de forma, o que precisa
ser compensado com a natureza da atividade em si. O primordial é que o aluno tenha
prazer em realizar a atividade.

A dinâmica da aplicação do roteiro de leitura.


Por tudo o que já se disse, é razoável que o Roteiro de Leitura seja relativamente
extenso e, portanto, não deve ser aplicado de uma só vez. Ao contrário, é
imprescindível que, durante algum tempo, o professor reserve um espaço em seu
planejamento para o desenvolvimento paulatino e gradual dessa etapa do projeto.
Por outro lado, como a natureza do material exige também envolvimento /
posicionamento do leitor, é desejável que o roteiro possa ser discutido entre os
alunos, de modo a evidenciar a inexistência de respostas corretas. Nesse sentido,
sugerimos a adoção da seguinte dinâmica:
• O roteiro de leitura deve ser discutido em duplas, para que as opiniões,
trazidas à cena, propiciem a apreciação de semelhanças e divergências entre
elas.
• Apesar disso, cada aluno deve ter o seu material, utilizando-o individualmente,
até para possibilitar o registro de respostas divergentes e a execução de
tarefas de criação.
• Depois de "pronto", o roteiro deve ser retrabalhado pelo professor com toda a
turma, de modo a permitir que transpareça a riqueza das respostas.
Cabe ao professor, portanto, criar um ambiente favorável à divergência, acentuando,
desde o início do trabalho, que não se buscam respostas corretas, mas respostas
possíveis, sendo salutar e rica a diferença de opiniões. No momento em que as
primeiras conclusões forem trazidas à turma, é essencial que o professor demonstre,
claramente, que só o respeito à divergência pode vir a enriquecer a visão de cada um
acerca do texto.
As questões de múltipla escolha. Podem ser utilizadas, desde que abertas, ou
seja, além de várias respostas possíveis, dentre elas deve haver uma que o próprio
aluno possa preencher, caso não se sinta satisfeito com a utilização das outras,
oferecidas pelo professor. A múltipla escolha deve ser usada para respostas que não
estejam evidentes no texto.
A título de exemplo:
Já era tarde quando Marcelo saiu da escola e, embora soubesse que
estava atrasado, não resistiu à cena daquele cachorrinho parado ali, na calçada, com a
pata machucada e os olhos de quem precisa de carinho. Durante alguns instantes,
Marcelo permaneceu estático, olhando só. Logo logo virou-se, para seguir seu
caminho, mas não foi capaz. Sem pensar no que sua mãe iria dizer, abaixou-se e, com
todo o cuidado, pôs o pequeno animal no colo, a mochila nas costas e seguiu, eufórico,
para casa.
Questionários de "interpretação" tradicionais perguntariam: "Quem o menino
levou para casa?" ou "O que o menino fez com cachorrinho que encontrou?"
Quaisquer que fossem as opções oferecidas, as respostas só poderiam ser,
respectivamente, "o cachorrinho (machucado)" e "levou-o para casa". Este tipo
de questão nada acrescenta à leitura, além da simples decodificação.
A fim de levar à reflexão, a pergunta elaborada poderia ser, por exemplo, assim:
"Levando o cachorrinho para casa, o menino demonstrou ..."
[ ] Compreensão [ ] Desejo de possuir um cachorrinho
[ ] Sensibilidade [ ] Irresponsabilidade
[ ] Caridade [ ] Amizade pelos animais
[ ] Indiferença [ ] ____________________
As respostas mais prováveis seriam "caridade", "amizade pelos animais",
"sensibilidade" ou "desejo de possuir um cachorrinho". Isso não significa que o
aluno não pudesse privilegiar a "compreensão", apontando-a como a melhor
resposta, na medida em que o menino efetivamente "compreendeu", por seu
olhar, que o animal precisava de ajuda, ou a "sensibilidade", já que o menino se
mostrou sensível ao sofrimento do cãozinho.
Seria o caso, no entanto, de admitir que as respostas "irresponsabilidade" ou
"indiferença" seriam, com segurança, inadequadas? Se consideramos que
Marcelo tomou tal atitude sem consultar os adultos com quem vive, podemos
vislumbrar na sua atitude "indiferença", ao menos em relação à opinião de sua
mãe. Por outro lado, também não deixa de haver certa irresponsabilidade em
seu ato, na medida em que apanhar um animal desconhecido na rua envolve
graves riscos de contrair doenças.
Portanto, se, em função da experiência de vida do aluno, estas outras hipóteses
fossem valorizadas pelo leitor, seria naturalíssimo que estas duas opções lhe
parecessem mais adequadas, ao invés da "amizade pelos animais", por hipótese.
Mas todas essas opções poderiam ainda não ser satisfatórias para um outro
aluno, que sempre tivesse sonhado em ser veterinário, e que, em função disso,
viesse a responder: "prazer em cuidar de animais", hipótese capaz de
compatibilizar a realidade do texto com sua realidade de vida.
O importante é a múltipla escolha permitir que valores pessoais sejam expressos
nas diferentes hipóteses de escolha, enquanto base para a modelagem de uma
leitura própria, desde que não firam o que se diz no texto. Por esse princípio,
seria inadequada, nesse caso, por exemplo, a resposta "não ligar para os
animais", pois o que o texto diz contraria essa idéia, embora abra espaços para
inúmeras outras.
Assim, neste tipo de questão, o professor deve oferecer um espaço para o
posicionamento particular do aluno e estar preparado para aceitar os
argumentos que embasam as diferentes respostas, ainda que não correspondam
à sua própria leitura do texto.
As questões de elaboração de argumentos. Devem ser utilizadas, sempre que
possível, com o objetivo de levar o aluno a justificar suas respostas, uma vez que não
se busca uma resposta gratuita, mas a elaboração mental de uma cadeia significante;
ou seja, que ao "direito" de pensar diferente deve estar associado o "dever" de
demonstrar que o que se pensa é "possível", dentro daquilo que o texto apresenta.
Voltando, ainda, ao mesmo exemplo, o aluno que respondeu "irresponsabilidade"
deve ser capaz de justificar sua resposta, ainda que o risco real de apanhar um
animal na rua não esteja manifestado no texto.
As questões de caráter pessoal. No âmbito do roteiro de leitura não devem ser
utilizadas questões que exijam do aluno que ocupe o lugar do personagem, ou que
julgue suas atitudes. Utilizando o mesmo exemplo do tópico anterior, seria habitual
encontrarmos perguntas do tipo: "Você também teria levado o cachorrinho para
casa?" ou "Você já passou por uma situação como esta?". Tais questões se mostram
inadequadas à elaboração de uma leitura do texto, na medida em que não delimitam
duas realidades absolutamente distintas (a sua e a do texto), por mais próximas que
possam parecer. Ao levantar tais indagações, colocam-se em cena não os valores
expressos na narrativa, mas valores externos a ela, contaminando-a com aquilo que
ali não se diz. Claro está que este tipo de indagação pode acabar surgindo, na
medida em que trazem o texto para a realidade do leitor, mas só devem ser
provocadas nas atividades complementares depois de o texto ter sido trabalhado.
A ilustração no roteiro de leitura.
Ao contrário do que possa parecer, o material de abordagem de leitura não deve
estar centrado exclusivamente no texto escrito. É falsa a idéia de que "as figuras" no
livro infanto-juvenil são um apêndice que apenas reduplicam o que o texto diz. Ao
contrário, quando de boa qualidade, a ilustração acrescenta elementos ao texto,
reinterpreta-os, preenche vazios da narrativa, transformando-se num outro texto que
precisa ser lido junto, já que, nesses casos, o texto é o produto do diálogo entre
linguagem verbal e linguagem não-verbal. Assim, o Roteiro de Leitura deve mobilizar
a observação do aluno também para esses elementos, permitindo que sua leitura se
dê de forma globalizada e integralizadora.
O roteiro de leitura para o aluno ainda não alfabetizado.
O analfabetismo não representa um impedimento à aplicação de um roteiro de
leitura, quando é elaborado de modo a que a criança não tenha necessidade de
escrever. Se o professor lê o livro para o aluno, pode, da mesma forma, orientá-la no
desenvolvimento do roteiro de leitura. É imprescindível que o texto seja trabalhado,
de modo a possibilitar a efetiva compreensão, despertando na criança, inclusive, a
vontade de ler por ela mesma. Atividades que envolvem material concreto, jogos,
questões de recorte e colagem, de associação de elementos, até mesmo questões em
que se peça ao aluno para pintar uma ou outra palavra, se a alfabetização já está em
processo; são inúmeras as possibilidades de levá-lo a refletir sobre o que foi lido, de
forma articulada, sem que haja necessidade do domínio da escrita.
As atividades complementares
Estas atividades devem representar a culminância do trabalho, e, por isso
mesmo, devem ter o caráter de uma grande "festa". São as atividades que
inúmeros professores quase sempre realizam, sem perceberem, no entanto, que
nesses momentos já não se trabalha o texto, mas a projeção do texto para além
da sua própria esfera. Aqui podem ser planejados eventos envolvendo o restante
da escola (mostras de trabalhos, feiras, campanhas ou, até mesmo, a
dramatização do texto para outras turmas); eventos que permitam ao aluno
vivenciar situações apresentadas no livro (passeios, entrevistas com especialistas
convidados para abordar um assunto específico, ida ao cinema ou ao teatro);
novos projetos (criação de um jornal, de um sistema de correio dentro da turma
ou da escola); enfim, um sem-número de possibilidades de exploração daquilo
que se aprendeu lendo, e que não pode ser traduzido, especificamente, por
nenhum conteúdo, mas que acrescentam à vivência do aluno, tornando-o mais
capaz para enfrentar os embates do cotidiano, tornando-o mais consciente e
mais crítico. Assim, as atividades complementares devem atender, basicamente,
a três objetivos fundamentais:
• Favorecer relações interdisciplinares
Nesta etapa é que o texto lido deve ser aproveitado, sempre for que possível e
pertinente, para focalizar conteúdos de outras disciplinas. Nesse momento,
quando o texto já foi exaustivamente explorado, a interdisciplinaridade surge
como um elemento benéfico e desejável.
É fundamental, no entanto, que este aproveitamento não fira o caráter lúdico de
que o trabalho se revestiu até aqui. Não faz o menor sentido utilizar a
"brincadeira" como um princípio que só vale para a leitura. Se o trabalho a ser
desenvolvido depois está ligado ao livro, deve ser, igualmente, lúdico, a fim de
que o aluno não passe a associar a leitura a atividades rotineiras e enfadonhas.
• Trazer a problemática do texto para a realidade do aluno
Com este objetivo pretende-se que o aluno internalize que ler é aprender, não,
necessariamente, um conteúdo, mas aprender coisas que poderão fazê-lo viver
melhor. Não se trata aqui, apenas, de verificar, com comentários orais, de que
modo pode haver uma identidade entre situações vividas no papel (pelos
personagens) e na vida real (pelo leitor). Ou seja, não se trata de perguntar, por
exemplo, depois de uma história cujo protagonista tem um cãozinho de
estimação, quem passa ou já passou por situação análoga. Trata-se, sim, de
criar oportunidades para que o aluno promova a transferência de aprendizagem
e verifique de que modo é possível aproveitar o que aprendeu nos livros,
trazendo aquela bagagem de experiências para a vida real.
• Desenvolver a criatividade
Este último objetivo liga-se, basicamente, ao caráter mágico da literatura. À
medida que é posto em contato com textos criativos, o aluno tende a permitir-se
ousar, falando, escrevendo, desenhando, ou seja, construindo mundos a que ele
chega tirando os pés do chão.
Algumas experiências anteriores a nosso trabalho já demonstram a validade da
utilização da literatura infantil como elemento que estimule a criatividade,
principalmente quando se objetiva o desenvolvimento da escrita. "Todos nós --
adultos e crianças -- somos potencialmente criativos. O despertar dessa
criatividade depende apenas de uma estimulação adequada".
A leitura de bons livros -- criativos, estimulantes, instigantes -- gera no aluno
uma predisposição natural a essa "ousadia". Como uma parcela considerável da
literatura infanto-juvenil se fundamenta no fantástico, se as atividades de criação
-- marcadamente as de produção de texto -- ocorrem após um trabalho de
leitura solidamente articulado, os resultados obtidos são significativamente
melhores, ou seja, os textos produzidos se apresentam mais bem estruturados,
fugindo ao lugar-comum, buscando variações tanto no que se diz quanto na
maneira como diz.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

02 de abril - DIA MUNDIAL DO LIVRO INFANTIL

Era uma vez um menino que passava seus dias espiando a vida dos outros. Ao longo do tempo, ele juntou uma porção de histórias curiosas sobre o que via e ouvia nas ruas. Com muita imaginação, criou belos contos. Mais tarde, decidiu publicá-los. E não é que até hoje eles fazem o maior sucesso?! "A vida é o mais belo dos contos de fadas"

Hoje comemoramos o aniversário de HANS CHRISTIAN ANDERSEN(1805 - 1875), dinamarquês que mudou o jeito do mundo olhar para a criança, por meio de suas histórias incríveis que atraiam a atenção de todos.



A PRINCESA E A ERVILHA


Era uma vez um príncipe que queria casar com uma princesa — mas tinha de ser uma princesa verdadeira. Por isso, foi viajar pelo mundo fora para encontrar uma, mas havia sempre qualquer coisa que não estava certa. Viu muitas princesas, mas nunca tinha a certeza de serem genuínas havia sempre qualquer coisa, isto ou aquilo, que não parecia estar como devia ser. Por fim, regressou a casa, muito abatido, porque queria uma princesa verdadeira.
Uma noite houve uma terrível tempestade; os trovões ribombavam, os raios rasgavam o céu e a chuva caía em torrentes — era apavorante. No meio disso tudo, alguém bateu à porta e o velho rei foi abrir.

Recorte em papel feito porHans Christian Andersen Fonte:
Museus da Cidade de Odense
Deparou com uma princesa. Mas, meu Deus!, o estado em que ela estava! A água escorria-lhe pelos cabelos e pela roupa e saía pelas biqueiras e pela parte de trás dos sapatos. No entanto, ela afirmou que era uma princesa de verdade.
— Bem, já vamos ver isso — pensou a velha rainha. Não disse uma palavra, mas foi ao quarto de hóspedes, desmanchou a cama toda e pôs uma pequena ervilha no colchão. Depois empilhou mais vinte colchões e vinte cobertores por cima. A princesa iria dormir nessa cama.
De manhã, perguntaram-lhe se tinha dormido bem.
— Oh, pessimamente! Não preguei olho em toda a noite! Só Deus sabe o que havia na cama, mas senti uma coisa dura que me encheu de nódoas negras. Foi horrível.
Então ficaram com a certeza de terem encontrado uma princesa verdadeira, pois ela tinha sentido a ervilha através de vinte edredões e vinte colchões. Só uma princesa verdadeira podia ser tão sensível.
Então o príncipe casou com ela; não precisava de procurar mais. A ervilha foi para o museu; podem ir lá vê-la, se é que ninguém a tirou.

SOLDADINHO DE CHUMBO

Era uma vez vinte e cinco soldados de chumbo, todos irmãos, porque tinham sido todos feitos da mesma colher de cozinha. Tinham armas aos ombros e olhavam em frente, muito elegantes nos seus uniformes encarnados e azuis. — Soldados de chumbo! — foi a primeira coisa que ouviram neste mundo, quando levantaram a tampa da caixa onde estavam.
Um rapazinho tinha dado esse grito e batido as palmas; tinham-lhos dado como prenda de anos, e ele colocou-os em cima de uma mesa. Os soldados eram todos iguais uns aos outros — excepto um, que só tinha uma perna; fora o último a ser moldado e já não havia chumbo que chegasse. No entanto, mantinha-se de pé tão bem como os outros que tinham duas pernas, e é ele o herói desta história.
Na mesa onde os colocaram havia muitos outros brinquedos, mas aquele em que se reparava logo era um castelo de papel. Pelas suas janelinhas via-se o interior das salas. À frente havia pequenas árvores à volta de um pedaço de espelho, a fingir que era um lago. Cisnes de cera pareciam flutuar na sua superfície e olhavam para o seu reflexo. Toda a cena era um encanto, mas o mais bonito de tudo era uma menina que estava à porta; também ela era feita de papel, mas tinha uma fina saia de musselina, uma estreita fita azul cruzada nos ombros, como se fosse um xaile, presa por uma brilhante lantejoula quase do tamanho da cara. A encantadora criaturinha tinha os braços estendidos, porque era uma bailarina; tinha mesmo uma perna tão levantada que o soldado de chumbo nem conseguia vê-la; então ele pensou que ela só tinha uma perna, tal como ele.
"Ora aí está a mulher que me convém", pensou ele. "Mas é tão importante; ela vive num castelo, e eu tenho uma caixa... e estamos vinte e cinco lá dentro! Não há espaço para ela, com certeza. Mas posso tentar conhecê-la."
Então, deitou-se ao comprido atrás de uma caixa de rapé que estava em cima da mesa; daí podia ver bem a dançarina de papel, que continuava de pé numa só perna sem perder o equilíbrio.
Quando anoiteceu, todos os outros soldados de chumbo foram guardados na caixa e as crianças foram para a cama. Nessa altura, os brinquedos começaram a brincar; jogaram às visitas, às escolas, às batalhas e às festas. Os soldados de chumbo chocalhavam na caixa, porque também queriam brincar, mas não conseguiam levantara tampa. Os quebra-nozes davam cambalhotas e a pena da ardósia rangia a escrever; o barulho era tanto que o canário acordou e se meteu na conversa — melhor ainda, fê-lo em verso. Os dois únicos que não se mexeram foram o soldado de chumbo e a pequena bailarina; ela continuava apoiada na ponta do pé, com os braços estendidos; ele parado firmemente na sua única perna, sem nunca tirar os olhos dela.
O relógio bateu a meia-noite. Crac! — a tampa da caixa de rapé abriu-se e saltou de lá de dentro um duendezinho negro. Não havia rapé dentro da caixa — afinal era um truque, um boneco que saltava de uma caixa.
— Soldado de chumbo! — guinchou o duende. — Deixa de olhar para ela!
Mas o soldado de chumbo fingiu não ouvir.
— Muito bem, então amanhã vais ver! — disse o duende.
Quando amanheceu e as crianças se levantaram outra vez, puseram o soldado de chumbo no parapeito da janela. Pode ter sido culpa do duende, ou talvez de uma corrente de ar — seja como for, a janela abriu-se de repente, e o soldado de chumbo caiu da altura de três andares para a rua. Foi uma queda terrível! A perna apontava para cima, tinha a cabeça para baixo, e acabou por ficar com a baioneta espetada entre as pedras da calçada.
A criada e o rapazinho foram para a rua à procura dele, mas, embora quase o pisassem, não conseguiram vê-lo. Se ele tivesse gritado: "Estou aqui!", tê-lo-iam encontrado facilmente, mas ele achou que não era um comportamento correcto começar a gritar estando fardado.

Depois, começou a chover; caíam grossas pingas — era um valente aguaceiro. Quando acabou, passaram por ali dois rapazitos da rua.
— Olha! Disse um deles. — Está aqui um soldado de chumbo. Vamos metê-lo num barco.
Fizeram um barco de papel de jornal, puseram o soldado de chumbo no meio e fizeram-no deslizar pela valeta cheia de água. Lá foi ele a toda a velocidade e os dois rapazitos corriam a seu lado a bater palmas. Meu Deus, que grandes ondas havia naquela valeta, que marés! Tinha sido uma grande chuvada. O barco de papel balançava para baixo e para cima, por vezes andando às voltas, até o soldado de chumbo ficar completamente tonto. Mas manteve-se firme como sempre, sem mexer um músculo, sempre a olhar em frente e com a arma ao ombro.
De repente, o barco entrou num túnel. Oh, como estava escuro, tão escuro como na caixa lá em casa!
"Para onde irei agora?", pensou o soldado de chumbo. "Sim, isto deve ser obra do duende. Ah! Se ao menos a jovem estivesse aqui no barco comigo, não me importava que a escuridão fosse duas vezes maior."
Subitamente, da sua casa no túnel, saiu uma grande ratazana da água.
— Tens passaporte? — perguntou. — Não podes entrar sem passaporte!
Mas o soldado de chumbo não disse uma palavra; limitou-se a segurar a arma ainda com mais força. O barco seguiu em frente, e, atrás dele, a ratazana, a persegui-lo. Ai! Como ela rangia os dentes e gritava para os paus e palhas que boiavam na água:
— Obriguem-no a parar! Agarrem-no! Não pagou a portagem! Não mostrou o passaporte!
Mas nada conseguia fazer parar o barco, porque a corrente era cada vez mais forte. O soldado de chumbo avistou a luz do dia no fim do túnel, mas, ao mesmo tempo, ouviu um rugido que bem podia ter assustado o homem mais valente. Imaginem! Mesmo no fim do túnel, a corrente desembocava num grande canal. Era tão terrível para ele como seria para nós um mergulho numa gigantesca queda de água.
Mas como podia ele parar? Já estava perto da beira. O barco continuou a sua corrida, e o pobre soldado de chumbo aguentou-se o mais firme possível — ninguém podia dizer que tivesse piscado um olho.
De repente, o pequeno barco rodopiou três ou quatro vezes e encheu-se de água até acima; que podia acontecer senão afundar-se?! O soldado de chumbo ficou de pé, com água até ao pescoço; o barco afundava-se cada vez mais, com o papel a ficar todo mole, até que, por fim, a água cobriu a cabeça do soldado de chumbo. Ele pensou na linda bailarina que nunca mais veria e lembrou-se da letra de uma canção:
Em frente, em frente, soldado do império!Não receies o perigo nem o cemitério!
Depois, o barco de papel desfez-se completamente.
O soldado de chumbo caiu e foi logo engolido por um peixe.
Oh, como estava escuro na barriga do peixe! Ainda era pior do que o túnel e muito mais apertado. Mas a coragem do soldado de chumbo manteve-se inalterável; lá ficou, firme como sempre, ainda de arma ao ombro. O peixe nadava que nem um louco, virava-se e revirava-se, e depois ficou absolutamente quieto. Qualquer coisa luziu como um relâmpago — e então tudo à sua volta ficou claro como o dia e uma voz gritou:
— O soldado de chumbo!
O peixe tinha sido pescado, levado para a praça, vendido e levado para a cozinha, onde a cozinheira o cortara com uma grande faca. Pegou no soldado, segurando-o pela cintura com o polegar e o indicador, e levou-o para a sala, para que toda a família visse a extraordinária perso-nagem que tinha viajado dentro do peixe. Mas o soldado de chumbo não se sentia nada orgulhoso. Puseram-no de pé em cima da mesa e então — bem, o mundo é assim mesmo! — ele viu que estava na mesma sala onde as suas aventuras tinham começado; lá estavam as mesmas crianças; lá estavam os mesmos brinquedos; lá estava o belo castelo de papel com a graciosa bailarina à porta. Continuava apoiada num perna, com a outra bem levantada no ar. Ah! Ela também era firme! O soldado de chumbo estava profundamente comovido; gostaria de ter chorado lágrimas de chumbo, mas isso não era comportamento de um soldado. Olhou para ela, e ela olhou para ele, mas não trocaram uma palavra.
E então aconteceu uma coisa estranha. Um dos rapazinhos pegou no soldado de chumbo e atirou-o para a lareira. Não tinha qualquer motivo para fazer isto; deve ter sido outra vez culpa do duende da caixa de rapé.
O soldado de chumbo ficou emoldurado pelas chamas. O calor era intenso, mas se vinha do lume ou do seu amor ardente ele não sabia. As suas cores brilhantes já tinham desaparecido — mas se tinham sido lavadas pela água durante a viagem ou pelo seu desgosto ninguém sabia. Olhou para a linda bailarina, e ela olhou para ele; sentiu que estava a derreter-se, mas continuou firme, de arma ao ombro. Subitamente, a porta abriu-se; uma aragem apanhou a bailarina de papel, que voo como uma sílfide direitinha à lareira e ao soldado de chumbo, que a esperava; aí se transformou numa chama e desapareceu.
O soldado também derreteu rapidamente, ficando reduzido a um montinho de chumbo; e no dia seguinte, quando a criada limpou a lareira, encontrou-o entre as cinzas — do feitio de um coraçãozinho de chumbo. E a bailarina? Dela só encontraram a lantejoula, preta como a fuligem.


SUGERINDO...

Partindo da estrutura dos contos de Fadas pode-se construir histórias fantásticas:
Para os mais pequeninos a partir de imagens;
Para os maiores (1º ciclo), através de frases.
Cria-se uma estrutura de pano, com vários bolsos (nove).


Cada bolso é numerado e possui a seguinte frase:
* O herói é: Ex. fadas, duendes, reis, princesas…
* Onde vive o herói? Ex. floresta, cidade , montanha..
* A sua missão é ? Ex. salvar a princesa, prender um gigante…
* O lugar onde cumpre a missão. Ex. Castelo, bosque..
* Os maus que vão atrapalhar. Ex. ogres, bruxas
* Os bons que vão ajudar. Ex. fadas, reis, amigos
* Objeto mágico. Ex varinha mágica, pá, bolsa, pedra
* Luta pela vitória sobre os maus. Ex. passar um precipício, lutar contra um dragão
Para acabar pode ser assim…
E foram felizes para sempre.
As crianças a partir desta estrutura irão criar as suas personagens, os locais onde se passa a ação, os maus, os obstáculos, os objetos mágicos e os finais felizes
.


Ler é ir além da simples decifração de códigos, é tornar a oportunidade de nos tornarmos críticos para conquistar a chance de ser cidadãos comprometidos com nossa realidade social. Ler é tão necessário quanto o ar que respiramos, pois é atividade presente no nosso dia-a-dia, nos dá acesso aos bens culturais e a conquista da autonomia dentro da sociedade.


Obrigada pela visita.